quarta-feira, 4 de abril de 2007

  A mídia e a lei penal

Dois projetos na área criminal foram sancionados pelo presidente Lula recentemente. Um deles estabelece novos prazos para a progressão de regime para condenados por crime hediondo. O segundo projeto transforma em falta grave o uso de telefones celulares e aparelhos de radiocomunicação no interior dos presídios.

Embora o controle dos celulares esteja sendo discutido no Congresso desde os ataques do PCC em 2006, e a reforma dos crimes hediondos estivesse em pauta desde março do ano passado, quando o STF votou pela inconstitucionalidade da proibição à progressão de regime em crime hediondo, os dois projetos de lei receberam um impulso extra com a morte do menino João Hélio em 7 de fevereiro deste ano.

Aliás, também foi aprovado na mesma semana na Comissão de Constituição e Justiça do Senado um projeto que prevê pena mais rigorosa para crimes que envolvam menores de idade – um reflexo direto da influência do caso do menino, pois um dos criminosos envolvidos na barbárie era à época menor de idade.

O que há em comum entre essas reformas da legislação criminal, já aprovadas ou em processo de aprovação, é que todas elas foram influenciadas e aceleradas pela mídia. A legislação criminal, como um todo, costuma ser remendada conforme o que os jornais estão noticiando. A pauta do Congresso Nacional coincide com a pauta do telejornalismo.

Um exemplo de influência midiática no processo legislativo é o que aconteceu ao longo de toda a trajetória da Lei dos Crimes Hediondos. Desde sua aprovação, que se deu logo após uma onda de extorsão mediante seqüestro de empresários no Brasil no final da década de 80. A solução encontrada foi a de criar uma lei que desse tratamento diferenciado a este e outros crimes igualmente bárbaros. Com uma ampla cobertura da mídia, a tramitação foi rápida, e assim surgiu a lei 8.072 de 1990.

De lá para cá, a lei sofreu inúmeros acréscimos, sendo o mais emblemático a adição do crime de homicídio qualificado ao rol de crimes hediondos por ocasião do assassinato da atriz global Daniella Perez, em 1992, pelo também ator Guilherme de Pádua. Ambos interpretavam o par romântico Iasmin e Bira na novela “De Corpo e Alma” da Rede Globo. Por se tratar de um crime praticado e sofrido por pessoas públicas — o que causou enorme comoção na sociedade —, a pressão exercida pela mídia foi tanta que o legislativo não viu outra saída senão elevar o crime de homicídio qualificado à categoria de hediondo.

Outro caso bastante noticiado (inicialmente um furo de reportagem fruto de investigação jornalística) e que foi incluso na lei por conta da pressão da mídia é a questão das quadrilhas de falsificação de remédios, deflagradas em 1998. A partir de então, falsificar medicamentos passou a sofrer as mesmas restrições oferecidas aos demais crimes hediondos.

Basicamente, funciona assim: a mídia noticia o crime, instiga a população para iniciar o debate sobre o ocorrido, e, quando já se está prestes a tirar as primeiras conclusões lógicas sobre o fato, o assunto perde o interesse e sai da pauta dos noticiários. Como conseqüência, as pessoas param de falar sobre o assunto, e passados dois, no máximo três meses, ninguém mais é capaz de se lembrar o que aconteceu. Mas, enquanto isso, já deu tempo para que o tema fosse desmembrado pelo Congresso Nacional em vários projetos de lei desastrosos, todos com o objetivo de aumentar o rigor da pena, na vã ilusão de que a punição mais grave irá reduzir a criminalidade. E, assim, quando o crime seguinte é noticiado pela mídia, os projetos que já estavam tramitando por ocasião do delito anterior são acelerados, e, como conseqüência, tem-se a aprovação – mesmo sem se ter tido a discussão necessária.

Como já dizia o Marquês de Beccaria, em pleno século XVIII, “o que inibe o criminoso não é o tamanho da pena, mas sim a certeza de punição”. De que adianta aumentar o tempo de prisão, tornar mais rígidas as penas, se, no fundo, a realidade carcerária é insuficiente para atender a todos, os policiais não conseguem conter a criminalidade e a sociedade não consegue se organizar minimamente para se insurgir contra isso tudo?

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Obs.: autoplágio detected

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Comentários:

Blogger w1zard disse:
não sou insensível, mas nunca concordei com o estardalhaço feito pela mídia sobre o caso joão hélio.

pura exploração da mídia, sensacionalismo. totalmente desnecessária a aparição da mão do menino no Domingo seguinte ao ocorrido.

Hoje em dia, bala perdida só dá capa de jornal se a vítima sobreviver e ficar no mínimo paraplégica. Amanhã a mídia vai escolher o que?
 
Blogger Gabriela Zago disse:
Pois é, sensacionalismo puro.
Aliás, tem um projeto de lei tramitando no Congresso que prevê punição específica para bala perdida :P
 


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