domingo, 23 de outubro de 2005

  Viagem na viagem

Pela primeira vez em muito tempo percorri o trajeto Pelotas-Bagé de dia e numa janela do lado oposto ao do motorista. A paisagem era tão diferente que cheguei a me questionar, mais de uma vez, se estava no caminho certo. Eu não ia me espantar nem um pouco se o ônibus viesse a parar em um país de primeiro mundo. Tudo parecia tão fora do comum que nem parecia o mesmo trajeto que percorro cerca de uma vez a cada quinze dias. Talvez porque em outras viagens estivesse sempre tão interessada em buscar o silêncio para a leitura (ou viajasse do outro lado, como preferirem) eu perdia de apreciar a bela paisagem.
Muitas das cenas eu queria poder envolver em papel laminado para consumir mais tarde, a conta-gotas... Campos verdes, flores amarelas, céu azul (qualquer possível analogia com a bandeira do Brasil terá sido mera coincidência)... A vaca que sorriu ao ver o ônibus passar (meu egoísmo acusa: ela sorria para mim, aquele sorriso era MEU!), ruminando um lanchinho gostoso... O lago que reflete o sol.... e que em algum pontinho ínfimo do sol, lá longe, bem longe, eu tinha a certeza de que o lago também estava sendo refletido... A casinha à beira do banhado, com árvores atrás e um gramado coberto de florezinhas amarelas ao lado... é lá que eu gostaria de morar... lá o tempo parece não passar. Tudo era tão meigo, e ao mesmo tempo tão perturbador.
E enquanto o mundo lá fora parecia sorrir a cada detalhe, o mundo a 80km/h estava um verdadeiro caos. Para variar, o ônibus estava lotado. Pessoas de pé, equilibrando-se a cada curva da estrada. Nos bancos ao lado do nosso (eu + minha irmã), havia um casal com uma menininha que a princípio parecia ser meiga, calma, dócil... (tudo é perfeito a priori). Mas lá pelo meio da viagem ela resolveu ser criança. Gritava, um misto entre "mãe" e "ai" (okay, talvez fosse apenas 'aaaaaaaaaaaahhh' disforme), e se escondia embaixo do banco. Sabe-se lá o que passava na cabeça desse ser, mas talvez ela estivesse imaginando que debaixo do banco havia uma caverna assustadora e escura, um lugar para onde ela não queria ir, mas que o sacolejo do ônibus a impedia que não fosse. Demorou um bom tempo para que os pais da criança percebessem que talvez a criança estivesse pedindo desesperadamente que a resgatassem, e a tirassem da entrada da caverna antes que a escuridão a sugasse. Depois de um tempo, voltou a reinar a calmaria. Mas daí metade do ônibus já tinha deixado de dormir com os gritos estridentes da garota, e outra metade (eu! eu!) abandonara a leitura para poder apreciar melhor o momento. É uma experiência surreal sair do meio de uma descrição de cultos de Candomblé no Brasil, por Umberto Eco em "Viagem pela Irrealidade do Cotidiano", para voltar ao mundo real e perceber que a viagem que se está fazendo é completamente doida (dentro e fora do livro).

[inclua aqui um espaço temporal de uma noite, uma madrugada e uma manhã, recheado de baboseiras da vida cotidiana, como jantar, dormir, acordar e almoçar...]

Já depositei meu voto (direto, secreto, universal, personalíssimo, e tudo o mais que diz no artigo 14 da Constituição Federal) no referendum. Espero que o meu candidato ganhe! :P (apesar de eu ser completamente contra esse referendo -- aliás.. por que eu votei? Por que resolvi encarar mais de 6 horas de viagem para votar em algo inútil?) -- E, como diz a Veja de daqui alguns dias (é bizarro recebê-la em casa antes das bancas).... acabou a brincadeira. Agora vamos falar sério: o que pode ser feito para de fato reduzir a criminalidade no país?

-- Daqui a pouco pego meu ônibus de volta. Torçam para que a viagem seja irreal. No livro ou no mundo à minha volta.

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Comentários:

Anonymous Anônimo disse:
oiee :P
n ia durmir depois d comentar aqui, neh?

adorei o começo do texto!! eu juro q tava acreditando q a viagem tava perfeita, ate dentro do bus :P vc me pegou direitinho heuheuhehue

bjos
 


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