terça-feira, 18 de outubro de 2005

  O cunhado infiel

Isto é uma história irreal. Qualquer semelhança com pessoas, fatos ou acontecimentos reais poderá não ter sido mera coincidência (mas, mesmo assim, faça de conta que é :P).

Dorisgleison vinha arquitetando seu plano há meses. Estava decidido a matar Tércio desde o dia que o vira sair do bordel acompanhado de duas loiras. Na verdade, nem bem lembrava o motivo que o implantara essa certeza de que o cunhado deveria morrer -- se a raiva por saber que sua irmã estava sendo traída por um canalha infiel, ou se pela inveja de vê-lo andar pelas ruas altas horas da madrugada acompanhado de duas mulheres estonteantes enquanto ele bebia cerveja com amigos fracassados na calçada.
Dorotéia estava grávida, e isso pesou bastante na decisão de Dorisgleison de matar o marido da irmã. Mas ele resolveu que seria mais fácil trabalhar e sustentar o nascituro do que ver a moral da família ameaçada. Além do mais, ao invés de estar provendo o sustento da esposa, Tércio estava freqüentando bordéis de madrugada, o que reforçava a cafajestice do rapaz.
A idéia era simples. Como não tinha acesso a armas de fogo (isso mesmo -- esta história situa-se no hipotético, utópico e maravilhoso mundo da vitória do SIM \o/), e matá-lo a facadas ou estrangulamento seria óbvio demais, Dorisgleison decidiu que iria envenená-lo. Conseguiu com o Seu Jangão da esquina uma boa quantia de veneno de ratos sob o pretexto de, bem, matar ratos (que outra desculpa usaria? "preciso de um pouco de veneno para que eu possa matar o marido da minha irmã" era impraticável). Aí era só arranjar uma maneira de colocá-lo na comida, e Tércio morreria de forma lenta e sufocante (como dizia em letras garrafais no rótulo do produto, logo abaixo de uma caveira macabra e assustadora).
O problema era conseguir envenenar apenas a comida do cunhado. Não queria cometer o engano de matar a própria irmã, ainda mais estando ela grávida! Um duplo homicídio causaria remorso suficiente para umas três ou quatro vidas.
Dorisgleison era crente. E, para garantir sua entrada no paraíso, doou uma quantidade considerável de seus rendimentos para a Igreja, de modo que o pastor lhe assegurara um terreno no céu. Mas não queria arriscar. Lera no texto sagrado que matar os pais era crime escabroso, que levava direto ao inferno, sem escalas. E quanto a matar irmãs? Por tão caro, não valeria a pena arriscar.
Então ele decidiu que a única forma de executar seu plano seria colocar o veneno diretamente no prato de Tércio (e não na panela de comida, como o concebido originalmente no plano de assassinato, esboçado em um guardanapo de bar durante uma noite de bebedeira). Como não queria que o crime acontecesse depois que seu sobrinho nascesse (e dado o adiantado estágio da gravidez), Dorisgleison passou então a visitar sua irmã em ritmo regular, de modo a captar os detalhes que envolvessem o processo de preparação de alimentos. A irmã passou a desconfiar da presença do irmão quase todos os dias para almoçar, mas não reclamava. Afinal, era família. E família serve para essas coisas.
No começo, Dorisgleison sentia-se incomodado na presença do cunhado adúltero, mas com o tempo acostumou-se. Ao cabo de 2 meses, ele já tinha um esquema mental perfeito de como se processavam as refeições na casa da irmã, que incluíam desde as variantes do começo ao fim do mês (logo depois do pagamento, havia fartura na mesa, e à medida que se aproximava o fim do mês, a comida rareava), nos diferentes dias da semana (domingo era sempre o dia em que a comida era menos farta, em comparação aos demais dias da semana, e quarta-feira era dia de fazer feijão, que era requentado e retrabalhado ao longo dos demais dias da semana, e vinha a acabar novamente só lá na segunda-feira, quando esgotava-se também a criatividade de Dorotéia em fazer pratos com feijão requentado) e nos diferentes horários de refeição (o almoço era mais elaborado, enquanto que o jantar era sempre bem mais simples -- muitas vezes havia apenas um prato). Dorisgleison também observou que o cunhado tinha o estranho costume de separar a comida por cores no prato, e comer a salada na ordem das cores do arco-íris (vermelho, laranja, amarelo e verde -- e provavelmente seguiria comendo azul, anil e violeta, caso houvessem verduras e legumes com essas cores). E também percebeu que Tércio parava de comer o feijão lá pela terceira ou quarta versão requentada, dando seu prato para o cachorro quando a esposa não estivesse olhando. Isso era importante, pois Dorisgleison não queria correr o risco de desperdiçar uma dose cavalar de veneno para ratos num cachorro bobo e patético como o Bob (onde já se viu, cachorros que gostam de feijão requentado?).
Dorisgleison decidiu que poria o veneno em algo vermelho -- assim o cunhado morreria mais rápido. Decidiu também que o melhor dia era quinta-feira, de preferência logo no começo do mês -- e na hora do almoço! Então Dorisgleison escolheu a data de 9 de março (de 2006, para já estar vigorando o patético resultado do referendo do Desarmamento :P) para dar fim à vida do cunhado. Visitou a irmã, como de costume. Foi-se ficando para almoçar. Falava de política e corrupção, de vez em quando, para disfarçar o nervosismo incipiente. E, por fim, inventou a esfarrapada desculpa de que devia aprender a fazer comida para parar de importunar a irmã, e foi para a cozinha observá-la a cozinhar. Dorisgleison até fingia estar prestando atenção, inclusive fazia perguntas bobas para manifestar interesse (do tipo, "quantas colheres de sopa equivalem a uma xícara de chá?") e seus olhos brilharam -- feito criança que ganha o brinquedo que esperava no Natal -- quando viu sua irmã pegar um punhado de tomates para montar a salada. Certo que aquilo seria a primeira coisa que Tércio ingeriria na refeição! Dorisgleisson, a partir de então, observou e analisou cada movimento da irmã meticulosamente, e, por fim, sugeriu que ela já montasse os pratos para servir à mesa, para facilitar a distribuição igualitária dos alimentos entre os que iriam comer (como o irmão era sempre muito justo, Dorotéia não objetou sua interferência, e seguiu a estranha sugestão como um conselho de um sábio irmão mais velho). Tércio chegou em casa no horário de costume (12h17), com um guarda-chuva debaixo do braço e reclamando que não chovera como dissera a previsão do tempo no dia anterior. Sentia-se um verdadeiro palhaço quando carregava o guarda-chuvas em dias de sol (...mas isso não vem ao caso) :P
Os pratos já estavam prontos, tapados com outros pratos e tinham sido posicionados delicadamente pelas mãos de Dorotéia no forno do fogão, enquanto esperava pelo marido. A idéia apareceu-lhe como um estalo, e Dorisgleisson ofereceu-se para levá-los à mesa enquanto marido e mulher conversavam na sala. Perfeito. Era só colocar a dose de veneno nos tomates de um dos pratos e posicioná-lo no lugar do cunhado à mesa. A única testemunha seria o idiota do cachorro (e, como isto não é um conto infantil, o cachorro não sabe falar). Dorisgleison apressou-se em colocar o veneno no tomate, e cuidou para que o mesmo se dissolvesse antes de dirigir-se à mesa. O tomate perdeu um pouco de sua cor (talvez por conta do efeito cáustico do veneno, mas isso é apenas uma presunção subjetiva), e Dorisgleison disfarçou colocando um pouco de feijão requentado com farofa por cima do tomate, cuidando para que parecesse displicentemente colocado, como uma verdadeira obra do acaso.
Na mesa, Dorisgleison lembrou-se de colocar o prato ligeiramente bagunçado na cabeceira. E então chamou a irmã e o irmão para comerem.
Dorisgleison não tinha muito interesse em comer. Ficou observando o cunhado, que se demorava muito em começar, como se pressentisse que iria morrer naquele dia, ao mesmo tempo que sabia que ele não tinha como sequer imaginar isso. Por um instante, ao ver a cara de sonso do cunhado diante do prato de comida, sentiu um pouco de pena, e quase se arrependeu do que estava prestes a acontecer. Mas em seguida a imagem dele saindo com as duas loiras do cabaré lhe voltou à mente, e detestou novamente o marido da irmã com todas as suas forças.
Finalmente, Tércio decidiu-se a comer. Começou pelo tomate, como previra Dorisgleison, que vibrava silenciosamente, aguardando o momento em que estivesse sozinho para poder celebrar.
Após a primeira garfada, Tércio pediu à mulher que fosse buscar sal na cozinha -- seus tomates estavam com um gosto estranho. Dorotéia prontamente atendeu. Não se sabe por que cargas d'água Dorisgleison resolveu ir junto à cozinha, mas Tércio ficou sozinho na sala, numa cena deprimente, saboreando seu tomate vermelho esmaecido ao som da TV caquética ao fundo.
E, quando Dorisgleison e Dorotéia estavam na cozinha, ouviram um estrondo muitíssimo alto, como se um avião estivesse caindo logo ao lado. Imediatamente, nuvens de poeira espalharam-se pela cozinha, e tudo de repente ficou cinza. O teto da sala desabou, e Tércio morreu esmagado.

Moral da história: em virtude de causa absolutamente independente e superveniente, Tércio morreu, mas Dorisgleison foi inocentado :D

**

Conto em homenagem à semana oficial de recuperar aulas perdidas de Direito Penal: terça, quarta, quinta e sexta-feira \o/

P.S.: Para refletir:
- O cachorro sobreviveu?
- Tércio come beterraba?
- Alguém é fiel hoje em dia? :P
- Se Dorisgleison matasse a irmã por engano ele mereceria ser preso (erro sobre o agente não exclui a tipicidade), ou bastaria o remorso como pena para o resto da vida?
P.P.S.: Não sei escolher nome de personagens.
P.P.P.S.: O excêntrico exemplo "colocar veneno na comida de alguém e essa pessoa morrer em virtude de um desabamento exclui a imputabilidade" foi dado pelo professor hoje em sala de aula :P (A conduta de "A", embora ilícita, não é condenável, pois não foi causa direta do resultado morte em "B")
P.P.P.P.S.: Encare o texto também como uma leve crítica à fofíssima campanha do Sim pelo Desarmamento. Vai dizer que não é meigo um mundo onde as pessoas, ao invés de se matarem com armas de fogo, utilizem-se de meios alternativos felizes -- como mesas, garrafas de vidro, facas, rojões, arco-e-flecha, pedaços de pau e tomates envenenados -- para se ferirem uns aos outros?! :D
P.P.P.P.P.S.: Viva o post scriptum! \o/

**

"Mas os textos nem sempre são tão maldosos e, em geral, tendem a conceder ao leitor o prazer de fazer uma previsão que se revelará correta." (Umberto Eco, em "Seis Passeios pelos Bosques da Ficção")

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Comentários:

Anonymous Anônimo disse:
esses PS´s me fez lembrar a epoca das cartas hihhihih ^^ otimo!!
e vc n sabe mesmo colocar nome em persnagens, viu? :P ja ia dizer "dorisgleison?" hehehe imagine qnd ele era criança - coitado
e n sei as respostas das reflexições :\ eu só acho q o cachorro n morreu :D
bjos
 


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