sábado, 6 de agosto de 2005

  Crônica de uma viagem bizarra

O livro
Ao terminar o livro anterior, sobre o Poder Constituinte, resolvi começar a ler um livro da área de Comunicação. Depois de muito pensar (:P), a escolha recaiu sobre a obra "O Óbvio e o Obtuso", de Roland Barthes, que estava na minha lista de leitura desde o semestre passado. Outro fator que contribuiu para a decisão foi o fato de ele estar presente nas bibliografias básicas de duas disciplinas (Foto e Semiótica -- não é à toa que os professores são pai e filha, respectivamente!). E também já tinha lido (e gostado) de A Câmara Clara, do mesmo autor.
Como só vou precisar desse livro no mês de outubro em Semiótica, optei por começar apenas dando uma olhada nas páginas do mesmo. Leitura descompromissada: o objetivo é apenas familiarizar-me com a obra, para uma posterior leitura aprofundada...

O ônibus
E então resolvi carregar o livro em minha viagem para Bagé, com a brilhante idéia de lê-lo durante a [cansativa] viagem de ônibus de 3 horas. Na minha mente inocente, eu sentaria a um canto (janela), e teria o mais completo silêncio para ler durante 3 horas ininterruptas! Ia ser perfeito -- só que o mundo real não é tão maravilhoso quanto se imagina...
Cheguei na rodoviária com meia hora de antecedência, e peguei um lugar relativamente no meio (poltrona 23, janela, à direita do motorista). Parecia uma boa posição para leitura: iluminação direta do Sol, e pertinho de um dos pontos de calefação do ônibus. Entretanto, como hoje em dia existe lei de Murphy para tudo (mais especificamente, para nada... para nada dar certo :P), foi só eu abrir o livro na página em que eu estava para retomar a leitura, que as pessoas do banco da frente começaram a conversar em voz alta. Pior ainda: o diálogo tinha um terceiro e quarto participantes, da dupla de bancos imediatamente à esquerda. Então era o cara da esquerda comentando como eram lindos os campos verdes à beira da estrada, o da minha frente olhando embasbacado (como se nunca tivesse feito aquele trajeto antes), e a guriazinha do outro lado fazendo comentários inúteis. Mas até que eles não atrapalhariam tanto a leitura, visto que só falavam quando houvesse alguma paisagem bonita, rio conhecido ou plantação curiosa para observar.
Quando eu já estava praticamente me acostumando à idéia de só poder ler nos períodos de calmaria da conversa dos bancos da frente, eis que "a lei de Murphy da lei de Murphy" ("se algo está ruim, poderá ficar pior ainda") resolve atacar. O ônibus era do tipo Comum, indireto, que pára em cada paradinha de ônibus de beira de estrada. Ele parou. Entrou um senhor, que chegou para mim e perguntou se o lugar ao meu lado estava vago. Ah.. se desse para voltar o tempo, eu diria que não... ah se diria! Tanto lugar vago no ônibus, e o cara foi sentar logo ao meu lado? Mas tudo bem. Que mal poderia haver? (Ainda acredito na inocência do mundo!)
Pois foi só o cara sentar que ele começou a conversar com a senhora que se encontrava no assento ao lado, no corredor da fileira da esquerda. E assim ele seguiu a falar nos meus ouvidos durante a viagem inteira! Qualquer resquício de possibilidade de iniciar uma leitura fora por água abaixo...
Fato é que simplesmente não consigo ler com gente falando ao redor. Preciso de silêncio absoluto! Meu sentido de audição se sobrepõe ao da visão, de maneira que eu chego a beirar à loucura quando meus vizinhos começam a gritar enquanto leio em casa. Mas, mesmo assim, não reclamo: aceito passivamente as irritações. Para que se estressar? Fiquei sim o tempo todo torcendo para o cara pegar no sono, descer no meio da estrada.. qualquer coisa era válida... Apelei tanto que não só ele, como também a mulher e os carinhas dos bancos da frente acabaram descendo na metade do caminho - em Pinheiro Machado. E foi só a partir daí que pude, finalmente, começar a ler! :)
Até foi interessante ouvir tudo sobre a vida do homem que estava ao meu lado (mesmo que a conversa não tenha sido comigo, mesmo que seja 'feio' escutar a conversa dos outros; mas não tive como não fazê-lo). Ele tem dois filhos, ambos casados. Ele também é casado, desde os 18 anos. A nora de 19 anos está terminando o Ensino Médio para ser frentista, com um salário de 850 reais (vale ressaltar que esse salário é superior ao piso do salário de jornalista no interior do RS...! acho que vou largar as faculdades e ser frentista de posto de gasolina!), o filho quer ser sargento e ganhar mil e quinhentos reais por mês (nada mal!), a filha trabalha há dois anos numa papelaria que fica a duas quadras do meu apartamento... Não entendi direito o que o cara faz, mas tem algo a ver com transportar leite de Pelotas a Pinheiro Machado (mas de ônibus??).
A conversa tratou de tudo, até de máquinas de lavar (roupa e louça) e do fato no mínimo curioso de que o cara trabalha com corte e costura nas horas vagas. Quanto às máquinas de lavar, acabei ficando convencida que o melhor é ter um tanquinho, e trocar a água dele na pia do banheiro para o enxágüe após a lavagem (você sabia que o melhor tanque é aquele que tem formato de máquina de lavar - sem a bordinha -, e possui a roda (?) na parte inferior, e não ao lado??). E tem até quem diga (ouve-se falar por aí, de acordo com o cara) que há uma peça que se compra para o tanque, e que faz com que ele fique que nem uma máquina de lavar... (Viram só? Virei especialista em máquinas! Sei até como tirar uma mancha de graxa de uma camiseta branca usando apenas um tanquinho e uma pia de banheiro!).
Mas no fim, ele até se deu conta da chatice, e fez um pedido de desculpas tácito, conversando um pouco comigo, e contando que a sobrinha dele também queria fazer Direito (mas em Bagé, mesmo morando em Pelotas). Eu sou de Bagé e faço faculdade em Pelotas. (Será que existe algum mundo bizarro onde tudo é o exato oposto do mundo real? Será que esse cara vem de lá?).
Com medo de represálias (nunca se sabe... vá que o cara leia este post e decida pegar sempre o mesmo ônibus que eu, só para não me deixar ler em viagens?), não vou citar o nome dele. Mas adianto: é um nome duplo e tosco, desses de novela mexicana, ambos iniciados com a letra A... :P

O lema
Enfim... disse tudo isso para mostrar o quanto sou pacífica e cultivo a tolerância. Aliás, andei até pesquisando acerca do tema. Neste artigo, o psicólogo Antonio de Andrade propõe uma solução simples para todos os males do mundo: agir com cidadania. (Ahã... Como se ninguém nunca tivesse se dado conta disso antes... ).
Na dúvida, estou fazendo a minha parte. Até hoje nunca reclamei dos meus vizinhos que jogam futebol narrado, apesar de já ter ficado com raiva suficiente para pensar nas melhores maneiras de calar a boca deles de forma definitiva (:P).

As pessoas têm direito de conversarem em um ônibus. Mas que isso atrapalha... bah!

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Comentários:

Anonymous Anônimo disse:
O nome do cara era Alberto Alberto? :D hehehehe Adorei seu texto! Vc fez uma viagem chata numa coisa engraçada :) Eu sei q no momento n foi nda disso ;P Mas o texto ta mto bom mesmo...
Onibus parando toda hora... gente conversando... me lembrei da viagem d SSA-Sambaiba :P grr E n sei como vc consegue ler em um bus andando!
Ahh.. depois vou querer uns conselhos sobre a maquina d lavar da minha mãe ;)
Bjão!!
 


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